quarta-feira, junho 1

O Vermelho dos Teus Lábios

     Luz acesa. Um belo espelho à sua frente. Sabonete Mahogany, perfume dado pelo avô, antitranspirantes de diferentes colônias, gel para cabelos e alguns outros utensílios, todos enfileirados como expectadores da cena. Ela passava a lâmina alisadora por cada fio de cabelo. A fila de cosméticos a incomodava, pois diminuía seu campo de visão. Hora inclinava-se para um lado, tentando enxergar-se melhor, hora afastava alguns deles para longe de si. Um vidro de perfume se perdeu em um desses movimentos, escorregou até o chão. Cacos de vidro espalhados, aroma oriental no ar.
     Base, pó de arroz, blush, lápis de olho. Rímel. Um rímel que modificava totalmente aquele rosto. Não eram apenas os olhos que tomavam uma expressão mais vantajosa, era também aquele corpo que se sentia potente, como se um poder lhe fosse entregue através daquela consistente tinta preta. Vez do batom. Havia uma necessaire lotada deles. Os olhos, que já estavam prontos, analisaram cada cor que ansiava deixar o roll on para fazer parte daquele conjunto que tomaria a atenção de todos aqueles para quem se exibisse. Um tom alaranjado, outro rosa claro, outro rosa pink... O único batom a ser tocado foi o vermelho, que logo fez daqueles lábios mais do que um molde de coração, era dali que sairiam as conquistas da noite. 
     Com três voltas na chave, ela abriu a porta. Dentro do apartamento, silêncio; do lado de fora, apenas o elegante "toc,toc" de seus saltos. Quase como uma modelo, desfilava pela rua sem se incomodar com os olhares que a acompanhavam. Seu objetivo, naquela noite em especial, era se render a apenas um rapaz. Mas o que um homem precisava para ter aquela mulher aos seus pés?
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     À mesa, estavam seis pessoas. O local tinha luz baixa, o que deixava todos à vontade. Eram a dama e cinco rapazes os que rodeavam aquela mesa. Já há mais de duas horas oscilavam entre gargalhadas, histórias picantes e goles de diferentes bebidas. Todos fixavam seus desejos sobre ela.
    Os homens conversavam então sobre uma nova mulher que havia chegado à cidade. Perdida na conversa, a dama ficou cabisbaixa e reparou em um par de sapatos europeus que se aproximava. Elevou um pouco o olhar, fitou os olhos sobre a gravata que dançava sobre a camisa despojada, paralisou. Ele se aproximou. Percebeu que ela havia consentido e tomou sua mão. Seus companheiros não repararam, continuaram dialogando sozinhos. Ela não sabia ao certo porque havia levantado, apenas deu margem à conquista momentânea que aquele homem a fez sentir.
     Se afastaram e, sem que fosse preciso exprimir nenhuma palavra, sentaram em um sofá, que ficava ao fundo da pub. Ele chegou o mais perto possível e, com a ponta dos dedos, sentiu os lábios vermelhos e carnudos da dama.
    -São desses mesmos que preciso, exitou com segurança.
     Era exatamente desta frase que ela necessitava para se render por inteira, preparava-se para ter a noite mais marcante de seus dias.
     Com porte, ele  se colocou em pé atrás dela e puxou suas mãos. Ela, segura, fechou os olhos e manteve os braços inclinados para trás.
     Ela percebia que ele tirava algo do bolso. Ouviu um som que se assemelhava ao de bijuterias quando se tocam. Abriu um sorriso, sugeriu para si mesma que jóias preciosas estariam sobre seu pulso em alguns segundos.
     Sentiu o gelado sobre seus braços. O coração pulsou mais forte.Surpreendeu-se ao ver que o gelado do metal não tocava apenas o pulso do braço esquerdo, mas também o do direito. Era mesmo uma noite surpreendente, seria dobramente presenteada.
Permaneceu com os olhos fechados enquanto ouvia as palavras daquele que recém lhe presenteara.
     -Não foi nada difícil chegar até aqui. De longe, enxerguei teu batom vermelho e desde já tive a certeza de que eras tu. Ao me aproximar, vi a mesma face que reluziu durante toda a semana sobre minha mesa através de uma foto. Observei teus traços durante longas horas, a imagem ficou guardada em minha mente. Foi com esse mesmo batom que, há um mês, tu beijastes meu irmão naquele quarto de pensão, até matá-lo daquela maneira que tu bem sabes. Quando o encontrei, o corpo dele mesclava entre o vermelho de sangue e o vermelho assassino de tua boca. Desde então, prometi a mim mesmo que te encontraria. Estas presa.
     Totalmente desnorteada, ela mudou a imagem do semblante. Procurou fugir, mas já não conseguia mover os braços, a algema tinha sido devidamente apertada. Seu sangue passou a pulsar mais forte, ela estava mesmo rendida, mas já não era de paixão.
     Como havia desejado antes de sair de casa, conheceu um novo lugar. 
     Teve a noite mais inesquecível de sua vida.

2 comentários:

... disse...

Você escreve com propriedade, tem talento pra coisa, viu?
Parabéns pelo blog, muito bom!
Abração.

http://instintosdeloba.blogspot.com

Anônimo disse...

Um mini-conto conquistador ^^
Gostei muito, mais do que esperava no começo o/
Meu estilo de texto é completamente diferente desse, ou pelo menos tem sido até agora. Mas é inspirador usar essa literatura pra dizer o que quero. Talvez passe a escrever assim
Vou ler mais daqui assim que puder o/

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Um conjunto de antíteses e uma mente apaixonada, que pulsam juntos em forma de sonhos. Graduanda em Psicologia e ex-estudante de Jornalismo na UFRGS.

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