quarta-feira, junho 19

“O Brasil acordou”, agora precisa andar.



17 de junho de 2013, milhares de brasileiros se reúnem em diversos estados por um propósito em comum. Desta vez, no entanto, o palco do espetáculo não foi um estádio de futebol, mas as ruas das capitais do país. O objetivo não era gritar “gol”, mas levantar a voz em prol da busca por melhorias nos serviços públicos oferecidos nas áreas de saúde, educação, segurança, transporte, entre tantas outras.

Na vida de quem participou deste protesto nacional, uma grande data ficou marcada. Para os participantes mais jovens, fica o orgulho de um dia poder dizer “eu estive lá” para seus filhos, quando eles estudarem como se deu o movimento pelos livros de história daqui a algumas décadas. Para os de meia idade, são reforçados os ensinamentos de justiça, liberdade e luta. Já para aqueles que, mesmo carregados de cabelos brancos, ainda assim saíram às ruas, fica o sentimento de dever cumprido.

A última segunda-feira foi, sem dúvida, um momento para reflexão. Indivíduos, famílias, cidades, veículos de comunicação, governantes e o mundo pararam, buscando entender que objetivo todos os mais de 250 mil manifestantes que estavam na marcha desejavam. Por que estavam ali? Como se reuniram? Quais serão suas próximas ações? Esses e outros questionamentos ficaram no ar. Estão no ar. A maneira como serão respondidos pode ser gloriosa, mas pode, também, se perder e morrer.

Já faz dois dias que o Brasil acordou. Esse despertar torna-se visível quando ligamos a televisão e vemos sociólogos discutindo sobre a diversidade do movimento ou quando logamos no facebook e observamos o país inteiro compartilhando informações sobre as ações dos manifestantes, da polícia e dos jornais durante o protesto. Quem se acorda, porém, precisa levantar e andar. Mas com uma diversidade tão grande de opiniões, como podemos encontrar a melhor solução?

Diferentemente de todas as reivindicações que ocasionalmente ocorrem em nosso país, o intitulado “Movimento Passe Livre” não tem liderança. A representação não está na mão de um, mas de todos. Os governantes, procurando alguém para negociar, não sabem com quem falar e, por isso, acabam por tomar decisões sozinhos. Em Porto Alegre, por exemplo, o prefeito José Fortunati declarou, na manhã de ontem, que será possível reduzir o valor atual da passagem de ônibus em R$ 0,12, passando de R$ 2,85 para R$ 2,73. Para isso, porém, será reduzida a cobrança de impostos, ao invés de se diminuir o superfaturamento empresarial, que é o verdadeiro desejo de quem reivindica.

Manter nossa presença nas ruas é essencial para que construamos a mudança de nosso país, pois assim fazemos da democracia uma prática, comprovando que o poder emana do povo. Mas além de manifestar precisamos ter claro quais são nossos propósitos. Aliadas às nossas exigências, devem também vir as soluções. E encontrá-las é o nosso desafio.

Com um grupo tão diverso de manifestantes, esclarecer todos os nossos anseios se torna uma tarefa quase impossível. Por isso, começar dando exemplo aos nossos governantes pode ser uma boa estratégia. Além de exigir, também devemos ser capazes de traçar propostas. Uma citação do economista Thomas Sowell se torna interessante para refletirmos sobre nossas requisições:

"O fato de muitos políticos de sucesso serem mentirosos não é exclusivamente reflexo da classe política, é também um reflexo do eleitorado. Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las."

Dentro do aglomerado de pessoas presentes na manifestação, estão profissionais de diversas áreas, capacitados para exercer inúmeras atividades. E como já diz o ditado popular: “Duas cabeças pensam melhor do que uma”. Por isso, acredito que para que o movimento não perca sua cara de se mostrar apartidário e inovador, e para que também não se perda enquanto procura encontrar sua unidade, devemos nos enganjar, atuando de acordo com nossas especialidades.

Segundo o sociólogo Edgar Morin, o conhecimento não pode ser engavetado. Para ele, quanto mais as múltiplas áreas se comunicarem, mais possíveis se tornam as resoluções de questões. Cada um de nós teve uma vivência única, está limitado a uma gama de informações específicas e faz parte do movimento por motivos diferentes. Indo à rua, estamos mostrando nossa força, cada um da maneira como julga adequada: gritando, levantando cartazes ou, inclusive, quebrando estruturas simbólicas que vemos pela frente.

Não tenho como propósito dar soluções ou formar opinião da população em relação à ação de cada um dos manifestantes. Como unidade de pessoa que sou, tenho minhas próprias posições. Sou contra o vandalismo, por exemplo, mas entendo que não posso julgá-lo. Se todos nos colocarmos nesse lugar de quem compreende o outro, será ainda mais possível reforçar nossa união.

Meu intuito por aqui é, portanto, sugerir que coloquemos o que temos de melhor nesse movimento. Que os administradores ajudem, sugerindo métodos para qualificar a administração pública; que os advogados prestem serviços de esclarecimento em relação às dúvidas que temos na hora de protestar e também na hora de interpretar decisões que estão sendo tomadas no Congresso e que nos afetam diretamente; que os relações públicas nos ajudem a criar eventos que sirvam para confraternização e também para a discussão de novas estratégias e assim por diante.

Se tomarmos o lugar de quem também define, podemos trazer à tona a participação popular nas decisões. Infelizmente, temos poucos representantes eleitos que realmente buscam satisfazer os desejos da população. Hoje os Conselhos Deliberativos e as outras comissões existentes para intermediar a comunicação entre o povo e o Governo são pouco respeitados e ouvidos por aqueles que detêm o poder. Vivemos em um regime que se disfarça de democrático e se aproxima de um totalitarismo.

Felizmente, para renovar a esperança dos cidadãos, provamos com nossos manifestos que estamos cientes deste sistema e que queremos reformulá-lo. A energia que circula hoje em nossas ruas é única, é linda e deve ser preservada. Precisamos mantê-la viva. Precisamos enumerar objetivos em comum e colocar a mão na massa para ajudar a construir o Brasil em que viveremos nos próximos anos.

Convoco a todos para fazer parte dessas discussões. Vamos intervir na rua e fora dela também. Somos brasileiros, temos aptidões e é para a melhora desse país que vamos utilizá-las.

1 comentários:

J. disse...

Muito bom!
Você publicou ainda no início do movimento, de certa forma, e agora começamos a vivenciar um momento de apatia sobre ele, quando os próprios potenciais protestantes passam a criticar quem vai à rua lutar por isso ou aquilo, julgando não ser digna a luta alheia.
Então, apesar de ter achado todo o reconto muito prudente, assim como as citações dos estudiosos, o que mais me tocou no texto foi você ter frisado a importância da união na busca de solução dos problemas, para que não mais se permita que a disputa de quem é mais intelectual ou mais politizado nessa luta traga novamente a onda de dissensão que nosso país viveu por muitos e muitos anos.

Postar um comentário

Bem-vindos!

Minha foto
Um conjunto de antíteses e uma mente apaixonada, que pulsam juntos em forma de sonhos. Graduanda em Psicologia e ex-estudante de Jornalismo na UFRGS.

Eles aprovam: