sexta-feira, abril 1

Escorre vermelho do verde e amarelo.


Em 2016, o Brasil vai às ruas. Nesse andar, surgem dois caminhos: um deles, verde e amarelo; o outro, vermelho. São duas caras encontradas para representar um país colorido em diversidade cultural, natural, econômica, histórica e social.
“Impeachment”, alguns clamam. É mês de março. O Brasil é uma República Democrática. A chefe do governo é Dilma Rousseff.
É o quarto mandato do partido PT. É o segundo governo da presidenta. A última eleição deu-se em 2014, Dilma foi agraciada com 51,64 % dos votos no segundo turno – disputa acirrada.
Seu governo iniciou em 2011. O fato foi histórico: Dilma foi a primeira mulher a assumir o poder no Brasil. Já naquele ano, foi acusada de terrorista, defensora do aborto e da corrupção por grupos religiosos. Diante das críticas, colocaram-se projetos singulares: Plano Brasil Sem Miséria; Ciência sem Fronteiras; Pronatec; Minha Casa, Minha Vida; Farmácia Popular; Brasil Sorridente; Comissão Nacional da Verdade; Mais Médicos.
A classe média cresceu, a educação se expandiu nas áreas técnica e superior, o SUS desenvolveu-se. Já a economia balançou e as reformas agrária, política e tributária não entraram em vigor. Pra além da oposição, o PT gerou decepções internas.
Tal desapontamento fez emergir as maiores manifestações da história do Brasil em 2013. Um milhão de pessoas preencheram os espaços públicos de 80 cidades. A pauta inicial era o aumento da passagem dos transportes coletivos nas metrópoles, mas novas pautas ganharam força, tais como: investimentos bilionários na Copa do Mundo, saúde e educação precárias. Os setores sociais expuseram sua crítica ao governo e deixaram uma mensagem: alguma reforma precisa acontecer.
Mesmo frustrados, reelegeram a presidenta. Depois de doze anos no governo, o PT precisou sustentar suas promessas. Dessa vez, no entanto, não com a população, mas com seus aliados políticos. As saídas afunilaram-se. O partido atolou-se. Buscando vencer a força da areia movediça, abriu mão de estratégias, tomou atitudes precipitadas: elegeu o ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil, a fim de protegê-los das investigações correntes.
A manobra ficou escancarada, prato cheio para o aparecimento ilegal de grampos telefônicos e para o jogo midiático ganhar força. Alimentados, os expectadores encontraram os argumentos necessários para clamar pelo impeachment, não fossem as exigências jurídicas de que, para tanto, provas contra a presidenta sejam comprovadas.
Através da corrupção, desejam acabar com a corrupção. Nos protestos, os símbolos da Fifa ficam estampados em seus ornamentos verde e amarelo. Não percebem que, ignorando a lei, também poderão ser esmagados por ela.
Em uma sociedade explorada desde o início de sua história, que agora vê-se dividida, as leis perdem sua relevância. O sistema político, regido desde sua proclamação em 1889 por artifícios de favorecimento entre setores oligárquicos, empresariais e partidários, chega aos limites de seu apodrecimento.
Fede. E ninguém mais suporta. O PT também não suportou. Criou políticas anticorrupção. Mas também estava corroído.
“E agora, quem poderá nos defender?” Diante dos odores sulfídricos, colocam-se os ditatoriais. Preenchem as esperanças de alguns e fazem tremer a memória de outros. Memória essa que, de tão insuportável, foi recalcada, ocultada, mas não aniquilada: em 64, no Brasil. Porém também em 17, na Rússia, e em 33, na Alemanha.
Odores fortes costumam ficar impregnados, mas o povo alemão encontrou uma maneira de apartá-lo de suas vestes: estampou, nos espaços públicos, as memórias do regime nazista. Criou museus, preservou os checkpoints, abriu as portas dos campos de concentração. Trouxe o mundo ao seu passado. A ferida? Ele expôs, deixou aberta. Mesmo que doa, optou por ouvir as condenações constantemente. É o subterfúgio encontrado para que práticas autoritárias nunca mais manchem sua história.
Aprender com o passado é um ato de sabedoria. Quando o autoritarismo se coloca como saída factível para o futuro brasileiro, fica claro que nossas feridas ainda existem, mas sobre elas evitamos debater. O PT criou a Comissão Nacional da Verdade, trouxe à tona a violação de direitos humanos ocorrida no Brasil entre os anos de 1946 e 1988 e deu voz às vítimas desse período. Muitas delas ainda permanecem vivas. Uma delas é a presidenta.

Para evitar o sangue vermelho que caminha pelas ruas, intercedo por democracia. Para manter o verde e amarelo, demando reforma política. Por último, clamo para que as dores de nossas vítimas sejam respeitadas. E sejam, também, as últimas feridas ditatoriais de nossa biografia.

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Um conjunto de antíteses e uma mente apaixonada, que pulsam juntos em forma de sonhos. Graduanda em Psicologia e ex-estudante de Jornalismo na UFRGS.

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