sábado, dezembro 25

Do Outro Lado da Janela

   Depois de alguns fogos durante os primeiros minutos da noite natalina, passou-se algum tempo e viajei com meus olhos  por detrás das vitrinas de minha sala. Contemplava a imagem de uma rua que, durante um período do ano, via-se iluminada. Havia dois carros do outro lado da calçada e uma janela aberta, por onde era possível bisbilhotar a ceia de meus vizinhos.
   Na esquina, caminhava uma moradora de rua que hora ou outra costumo encontrar nas praças e redondezas do bairro. Ela vestia uma regata vermelha com listras brancas, uma legging preta e uns tênis de marca nada atraente para os jovens universitários que moram à frente de meu prédio. Ela carregava uma mochila rosa nas costas, onde havia figuras infantis. Em um de seus braços, carregava também três sacolas plásticas, uma delas com o símbolo do mercado Zaffari, famoso por produzir comerciais emocionantes na época de natal. Uma de suas mãos trazia o que lhe propunha a melhor alegria naquela noite. Eu enxergava apenas um embrulho branco sendo diversas vezes levado ao encontro de suas narinas. Ela aspirava aqueles químicos com toda a força que seu corpo pouco alimentado conseguia resgatar.
   Continuei com os olhos fixos sobre os movimentos daquela mulher. Foi a cena mais propícia para me levar às reflexões costumeiras do dia vinte e cinco de dezembro.
   Andando, ela chegou à janela que estava aberta em frente ao meu apartamento. Parou por algum instante observando uma família que estava à mesa se alimentando de uma bela ceia. Depois de um tempo, alguém a enxergou de dentro daquela moradia, pois um jovem veio à janela para falar com ela.
   Não sei que palavras foram pronunciadas, mas logo a cortina foi solta e então nem a moradora de rua, nem eu pudemos contemplar a continuação da ceia que se passava naquele apartamento. Ainda assim, ela permaneceu lá fora como se aguardasse por algo que mudasse a rotina de suas andanças pela rua ao menos em uma noite. Não foi só ela quem aguardou, eu também me via aflita, tinha a intuição de aquela conversa pela janela não havia sido concluída.
   Uma luz iluminou parte da rua quando reabriram as cortinas e uma senhora entregou um prato de comida para a mulher. Ela resgatou o presente com as duas mãos, fez um cumprimento de agradecimento com a cabeça e passou a saborear o que estava no prato. Não pude saber que variedade havia sobre o prato de vidro, mas certamente lhe era o suficiente, pois a mulher degustou tudo o que existia assim mesmo, em pé.
   Enquanto ela se alimentava, outros jovens vieram até a janela e conversaram um pouco com ela, até que ela entregou o prato para um deles. Mais algumas palavras foram trocadas e a moradora de rua voltou a percorrer o mesmo caminho que a tinha levado até ali. Deu meia volta e virou a esquina. Eu continuei observando até o último passo que me foi possível.
   Tive então uma espécie de alívio. A música que tocava em minha sala cessou e eu passei a ouvir apenas o som dos pingos de chuva que começavam a cair sobre a mesma rua que recém havia me proporcionado uma prova do amor que é resgatado no natal.
  

Um bom dia a todos.
Laura Marzullo dos Santos
segunda-feira, dezembro 20

Cada época deixa seus rastros.

   Eram duas meninas. Duas adolescentes. Entre todas as expectativas que as norteavam naquela fase de descobertas, havia um sonho em comum: conhecer seu ídolo. A cada música que ouviam, era um delírio, uma paixão. A admiração que mantinham pelo mesmo cantor passava a ser a grande fantasia que lhes mostrava o quanto era gratificante ouvir um som que fizesse bem aos ouvidos, ao mesmo tempo em que emocionava o coração e as fazia chorar com as belas letras românticas com que tanto se identificavam.
   A vontade de absorver o  maior número de informações possíveis sobre seu ídolo ia além dos CDs. Logo no início de cada mês, o maior dever era ir à banca para comprar as revistas que trouxessem as fotos mais exclusivas e os dados mais particulares da vida do garoto de seus sonhos. Na internet, novos blogs eram criados a cada dia para que as fãs produzissem textos sobre cada participação do cantor nos programas televisivos.
   Em um desses blogs, as meninas passaram a manter contato. Uma do Rio Grande do Sul e a outra da Bahia. Apesar da distância, o sentimento era o mesmo. Havia emoção ao conferir a agenda de seu ídolo para saber quando ele estaria em sua cidade. O problema era o mesmo - ambas as garotas moravam no interior e o cantor comparecia apenas às capitais, o que dificultava suas idas aos shows. Apesar da dor, era o momento propício para que se identificassem. Aquelas mentes que recém ingressavam em uma nova fase, passavam a perceber que suas vidas eram semelhantes, que a maneira como encaravam as amizades, os amores e, principalmente o seu ídolo, era a mesma.   
   O grupo de fãs era maior, as gurias começaram a manter contato com fãs de todos os lugares do país. Elas participavam de chats, assistiam aos programas, ouviam o novo CD e logo depois se reuniam no MSN para contar como foi a emoção ao ver o seu grande ídolo em uma nova performance, falando sobre o amor de uma maneira que as fazia delirar. Momento típico de um adolescente.
   Foi um ano, foram dois, três anos que se passaram. Das trinta e poucas meninas que se conheceram, nove delas ainda se comunicavam. Um ano depois, aquelas duas garotas que há algum tempo haviam se identificado passaram a manter um vínculo que se traduzia na palavra amizade.
   O ponto que as ligava já não era o ídolo, ele havia sido importante em uma fase de suas vidas, foi importante para o crescimento das meninas gaúcha e baiana. Agora elas se encontravam no messenger não para tratar sobre qual havia sido a foto mais impressionante do ídolo na revista Atrevida, seus assuntos eram sobre família, sonhos, relacionamento, estudos. O ídolo foi o ponto de partida, a grande oportunidade para que se conhecessem. Mesmo estando quilômetros distantes, elas sabiam sobre o dia a dia uma da outra. Quando uma briga familiar ou uma decepção as chateava, os conselhos e o carinho mantinham aquela amizade bastante alicerçada. A cada dia, uma se tornava mais importante para a outra.
   Muitas foram as vezes em que ao perceber o sofrimento da outra, lágrimas caíram em frente à tela do PC. A maior vontade que havia por trás daquelas telas era de que um abraço fosse possível para demonstrar o quanto era grande o afeto, o desejo de que a amiga pudesse realizar conquistas.
   Foi assim também durante o ano de estudo para o vestibular. Um período complicado, pois as duas se viam aplicadas nos estudos e passavam a se falar por menos horas a cada semana. Nas conversas possíveis, aproveitavam para saber sobre quais leituras eram diferentes nas exigências das Universidades em que desejavam ingressar. Se possível, procuravam estudar as disciplinas exatas juntas pelo MSN. Se arriscavam nos manuscritos e se preparavam para as provas. Os cursos a que almejavam eram bastante diferentes. A baiana desde pequena sonhou em ser médica, quis ajudar a quem pudesse por meio de seu trabalho. A gaúcha deixava o sonho infantil de ser dentista para se entregar às escrituras jornalísticas. Havia o apoio e elas, por se conhecerem muito bem, entendiam porque os sonhos de cada uma podiam se solidificar ou mudar no decorrer desses quatro anos.
   Mais 365 dias mostravam suas caras e lá estava uma parabenizando a outra pela aprovação no curso de jornalismo. Do outro lado, a gaúcha apoiava sua querida amiga naquele ano em que ela se preparava para a maratona de cursinho pré-vestibular para buscar sua vaga, como é digno de todo médico apaixonado pela profissão.
   Embora esses últimos trezentos e poucos dias tenham sido de maior compromisso, foram importantes para que o apoio continuasse e para que elas priorizassem os sonhos de suas vidas. Mesmo que o contato não tenha sido contínuo, durante todo o ano havia scraps e depoimentos que mostravam o carinho que uma mantinha pela outra. Foi sempre uma grande alegria ver a amiga amadurecendo e encontrando seu lugar no mundo. Cada vitória era motivo de comemoração, cada luta era momento de aprendizagem para as duas.
   E no dia dezenove de dezembro, a menina baiana, chamada Luise, completa também dezenove anos. E é em razão desta data que a menina gaúcha volta a arrastar seus dedos pelas teclas do computador com intuito de prestigiar sua amiga e lhe dar os devidos parabéns, as devidas homenagens.
   Foi a forma encontrada para dizer que sim, é possível manter uma amizade além da distância, além dos estudos e acima de muito amor.
Minha amiga, obrigada pela amizade que tu me proporcionou no decorrer desses cinco anos. Admiro-te ao lembrar que aquela adolescente cheia de dúvidas e insegura se mostra hoje uma mulher capaz de lutar pelo que deseja com uma força que se renova a cada dia. Uma mulher que se supera e mostra que os anos passados só serviram para lhe dar a devida força e garra de que precisa nos últimos meses.
   Só tenho a te parabenizar, seja pelo dia especial de hoje, seja por tudo que és.
   Um abraço da amiga gaúcha, de sotaque estranho que ainda irá te conhecer e te entregar o abraço tão sonhado.
   Essa postagem é pra ti em meu blog, guarda com o mesmo carinho de quanto tu fez aquele depoimento lindo em meu aniversário.

E a quem ler a postagem, não se esqueça de regar os vínculos que conquistou. É nosso dever cuidar daquilo que cativamos.

Bem-vindos!

Minha foto
Um conjunto de antíteses e uma mente apaixonada, que pulsam juntos em forma de sonhos. Graduanda em Psicologia e ex-estudante de Jornalismo na UFRGS.

Eles aprovam: