terça-feira, junho 9

Amar é uma disciplina para a qual são necessários alguns pré-requisitos. E o principal deles é a empatia..

“Ame os outros como você ama a você mesmo.” Gálatas 5:14
Assim se resume todo o mandamento cristão.
E, por essa ser a mais singela das ações humanas, nem sempre ela é simples de ser exercida. "Amar" não é uma ação inata, é um exercício.
Amar é aquela disciplina para a qual são necessários alguns pré-requisitos. E o mais básico deles é a empatia.
Empatia é o ato de colocar-se no lugar do outro. Isso significa pensar como seria sua vida caso você tivesse os mesmos anseios, vínculos e histórias do sujeito com o qual se relaciona.
Ter empatia é evitar se defender quando recebe uma crítica. É pensar sobre por que motivo uma pessoa te criticou. É saber que, caso o número de pessoas que te faça essa crítica seja grande, ainda que você não compreenda a razão de ela existir, você pode buscar informação para não apenas se apropriar dela, como também para reformulá-la.
Exercer empatia, portanto, é uma ação apaixonante. Embora dolorosa nas primeiras tentativas, já que nos tira da zona de conforto, torna-se prazerosa, posto que nos mantém em constante movimento. Nós aprendemos em velocidade exponencial quando temos a oportunidade de saber como é ser o outro. O nosso próprio modo de ser se amplia. A mesquinhez - de uma vida que experimentou apenas os caminhos que você percorreu - se acaba.
Deste modo, não é preciso viajar para conhecer novas culturas. Diferentes núcleos culturais nos rodeiam dia a dia. Quando a gente percebe o valor dessa circunstância, um passeio curto no nosso próprio bairro ganha uma conotação atraente.
Você pode então perceber que aquele vizinho para quem você diz "Bom dia!",todos os dias, utiliza as mesmas gírias que o seu avô utilizava, e você nunca tinha reparado nesse fato anteriormente.
Pode perceber que há flores formosas, plantadas na sua rua. Além de percebê-las, pode permitir que elas te encantem com os passarinhos que as rodeiam e com os aromas que delas exalam.
Pode identificar que, no prédio onde você mora ou na universidade em que você estuda ou nos clubes que você frequenta não existem pessoas negras com mais de 40 anos de idade, a não ser que sejam a faxineira e o segurança. E, ainda assim, caso você conviva com pessoas negras adultas ou idosas, talvez você também seja negro e elas integram o seu núcleo familiar. Ou, se ainda assim, elas fazem parte da sua rotina, talvez você não habite espaços privilegiados. E, se ainda assim, essa não for a sua opção, talvez essa pessoa tenha uma história de vida linda para ser compartilhada, mas você ainda não conhece. E talvez essa pessoa te conte que os avós dela, ou até mesmo seus pais, nunca sentaram em uma classe de sala de aula. E, por isso, quando antes você dizia "O racismo não existe, devemos lutar pelo dia da consciência humana, e não da consciência negra.", talvez você passe a dizer "O racismo ainda existe. Torço pelo o dia em que ele acabe e então possamos falar sobre consciência humana".
Talvez ocorra de você notar que nunca trabalhou ao lado de uma pessoa transsexual. E que possivelmente seja essa a causa de haver tanto estranhamento cada vez que você se aproxima de alguém cuja trajetória ainda lhe parece desconhecida. E então alguns insights podem vir à tona, tais como: nunca conheci uma transssexual idosa. E talvez essa curiosidade te mova a buscar mais informações, pois a empatia já faz parte do seu dia a dia e, a cada vez em que você se depara com um fato desconhecido, ao invés de julgá-lo, você decide obter conhecimento. Depois dessa pesquisa, talvez você descubra algo que te cause espanto: pouquíssimas pessoas trans alcançam a idade tardia, já que antes desse período ou elas são assassinadas por preconceito ou não encontram lugar no mercado de trabalho e acabam sendo marginalizadas. E, assim, costumam se prostituir. E aí você descobre que nem toda pessoa trans se prostitui por opção, mas por necessidade.
E, seguindo na sua trilha de exercício de empatia e de amor, a dor vai te encontrar uma, duas, três vezes. Porque você vai perceber que toda informação que antes estava escondida embaixo do tapete precisa agora ser higienizada, mas também vai constatar que todo processo de limpeza é árduo: é preciso saber quais produtos e materiais devem ser utilizados. E assim, enquanto você realiza cautelosamente o seu trabalho de limpeza, algumas pessoas se aproximam e lhe exigem que você cesse a atividade, já que não há nenhuma sujeira a ser retirada. Você então puxa o tapete, lhes mostra toda a sujeita acumulada durante anos e lhes entrega a vassoura. No entanto, elas negam fazer uso dela. A frustração lhe encontra e você já não consegue acreditar como é possível não enxergar que, embaixo do tapete, já se acumulam resíduos em decomposição.
O próximo passo é caminhar para o amor incondicional. É quando você constata que nem todo mundo ao seu redor já percebeu que o vizinho tem o sotaque do avô e que há flores na saída de casa. E irá conceber que, antes de enxergar o lixo, é necessário compreender por que motivo ele foi parar lá. E aí a sua ação torna-se cautelosa. No lugar de embates, coloca-se a compreensão. E você reconhece que debater sobre "o quê" é simples, mas que compreender "o porquê" requer a vivência de um processo.
Quando você domina a empatia, você coloca-se disposto a amar. E o amor incondicional se faz um imperativo quando as discussões não giram ao redor de quem goza da razão, mas sim em torno de quem está sofrendo. E por que está sofrendo.
Desta maneira, os ensinamentos que você recebeu na sua casa não serão mais importantes do que os ensinamentos das casas dos que moram no seu bairro, na sua cidade, no seu estado, no seu país ou no seu mundo. E nem mesmo os ensinamentos que eles receberam serão mais consideráveis do que os seus. Serão, todos eles, apenas ensinamentos. Diferentes e dotados de carinho, já que originários de nossos antepassados. Por outro lado, tais aprendizados também podem vir conectados a preconceitos, os quais correm o risco de continuar sendo reproduzidos por nós. Ter ciência de que nossas crenças, muitas vezes, são a razão pela qual nossos próximos sofrem é o início para que escolhamos não mais as reiterar.
E, assim, quando virmos um símbolo cultural, saberemos que ele está alinhado à história de um povo, tal como a cruz coloca-se como o ícone do sacrifício de Jesus pela humanidade. O sacrifício de Cristo, por sua vez, foi efetuado em virtude das injustiças do julgamento da população. Poucos permaneceram ao seu lado no momento em que ele suspirou suas últimas palavras. Talvez fossem esses os únicos capazes de exercer o amor incondicional naquela época.


Bem-vindos!

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Um conjunto de antíteses e uma mente apaixonada, que pulsam juntos em forma de sonhos. Graduanda em Psicologia e ex-estudante de Jornalismo na UFRGS.

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