segunda-feira, maio 24

Tudo estava diferente.

   Mês de maio, sábado sereno e Ronaldo se regozijava com a melancolia da noite. Diferente dos outros finais de semana, não havia sons em sua rua, parecia que todos haviam se desintegrado. Para ele, um dia perfeito.
   Sem desconfianças, lambeu os beiços e sugou com força o aroma do café que descia pela faringe, esôfago, estôma... Que delícia! - Dizia aquele homem minutos antes da meia noite.
  Não, não era dia para ler Kant ou pesquisar sobre os últimos planos de seu roteirista preferido, era preciso fazer algo diferente. Lembrou-se da época em que vivia sem preocupações e se deixava tocar pelo primeiro amor, deparou-se consigo, viu que não era mais o mesmo. Agora seus interesses eram outros, suas alegrias, raras, seus desejos... ah, os desejos! Sim, era o dia convicto para pensar neles.
  Correu até a gaveta mais próxima de sua escrivaninha, lá estavam elas, as agendas de 5, 10, 15 anos atrás. Por descuido,deixou cair alguns papéis no chão. Minutos depois, viu-se em meio a uma praça de mãos dadas com ela, sua antiga namorada. Era o reflexo da foto que segurava em suas mãos. Ronaldo observou com atenção a foto e riu, ele sentiu o peso do passado sobre si, mas percebeu o quanto era interessante a vida que levava depois daquele relacionamento. Percebeu que, naquela época, jamais se imaginou de terno, defendendo causas, às vezes de mera insignificância mas que, dentro de um conjunto, formavam o único prazer de sua vida. Folheou algumas folhas, "21 de outubro de 2000 - hoje almocei com antigos amigos que vieram do RJ, companheiros no clube de pocker quanto tínhamos nossos 17anos. O encontro não foi como esperado. George, o companheiro mais velho de nossa turma, já não tinha a mesma coragem que me fascinava durante aqueles anos, mas se demonstrou um bom pai falando sobre como cuidara de seu filho, o pequeno Igor. Do mais, me entristeço por perder a lembrança que minha mãe havia me entregado antes de falecer, devo ter perdido ao pagar a conta, descuido como esse não tem perdão.". Leu mais algumas páginas e caiu sentado na poltrona de braços largos. Sim, estava se esquecendo de muito do que amava.
 -Triiimm, triim, triiimmm. Ronaldo enxuga os olhos, descansa um pouco na cama e vê-se confuso ao lembrar o sonho, pois nunca se sentia bem ao recordar que não falara com sua mãe durante os últimos cinco anos anteriores à sua morte e, sem dúvida alguma, corre à escrivaninha.Mexe e remexe em alguns documentos - artigo 113, item b; lista de compras; notas das últimas camisas compradas; até que ela, a agenda vista naquela noite, é encontrada. Procura logo a página do dia 21/10/00 e lá encontra um envelope, um envelope em branco.
  Retira de lá um papel pardo com  as seguintes palavras:


Ronaldo,  nunca entendi ao certo essa distância. Pode ser que não nos falemos, mas desde que soube que estava em meu ventre, decidi ficar junto de ti em todo o tempo. Sei que não estou bem, em alguns dias não estarei por aqui, mas peço a Deus ou a alguma força do bem que te toque em dia oportuno, que te devolva o encanto. Hoje, sem que soubesses, vim à tua casa e deixei esta carta em uma agenda velha que encontrei, oro para que, em uma noite serena, assim como aquelas em que conversávamos quando tu era pequeno, tu possas  encontrá-la e se lembrar do quanto te amo. Ronaldo, receba isso como um amuleto que te traga boas lembranças, que não te permita esquecer os amores da juventude, os amigos; um amuleto que não te prenda ao trabalho, mas que te dê tempo para desfrutar do que tu sempre desejou, não te esquece daquela viagem com que tu sempre sonhou, não te esquece de que sou tua mãe, de que sempre estarei contigo.
                     Meu último, mas sincero abraço.
                              Maria Isabel


As lágrimas correm, ele pensa na ex-namorada do sonho, pensa em ligar para ela, mas hesita. Relê algumas palavras de sua mãe e diz a si mesmo que não pode mais perder tempo. Disca o número de que nunca se esqueceu, ela atende ...




Por Laura Marzullo, Porto Alegre/ RS
domingo, maio 9

Neste dia, a Homenagem é Dela!

 Nos tempos de quinta-série (nossa, faz tempo, crise da velhice nesse momento) , haveria apresentações literárias no colégio com presenças de Walmor e Roberto Santos, escritores porto-alegrenses. Imagine, estudantes de Alegrete aguardando pela visita do pessoal da capital, foi um vira-e-mexe no colégio -principalmente pela expectativa das meninas em conhecer O Robeeerto, o escritor, o "galãnzote".
  Então foi a vez de os alunos também atuarem. Professores deram oportunidade para que pinturas fossem expostas, livros divulgados, poemas declamados e lá estava eu metida no bolo. Mamãe, ao saber do evento, foi a primeira a propor que eu lesse um texto de sua autoria, um poema que, ao passar pelo julgamento de nossos mestres, foi escolhido para ser declamado aos autores e a quem estivesse presente.
 Durante todo esse tempo, aquelas palavras ficaram registradas em minha memória e hoje me lembro com alegria desse dia não só pela euforia existente, mas por saber que, de alguma forma, representei minha amada.
Eis o poema:


Sou mestre dos mestres;
Sou de porte médio, pequeno e grande;
Sou imenso ou talvez penso que seja imenso;
Não sei, eu me vejo assim;
O que procuram em mim?
Respostas, perguntas...
Às vezes questionam-me;
Não era o que esperavam;
Ouço críticas boas e ruins;
Sempre foi assim;
Desde o começo;
Mereço? Talvez.
Críticas construtivas que me façam ficar melhor;
Pior não quero ficar;
Porque morreria de dor;
Ninguém iria querer folhar-me, olhar-me, amar-me...
Para os pequenos quero ser ilustrado;
E para os maiores quero ser disputado;
E quando mais disputado melhor!
Sou grande, sou imenso
Sei que mereço ser assim;
Sem mim, o mundo seria muito pequeno em conhecimento;
Sou o livro!

Hoje aguardo o início de uma carreira jornalística. Embora alguns não entendam o porquê disso, eu o sei: foi espelho, admiração e amor pelas palavras, pelas expressões Dela, de minha mãe.
Parabéns a todas que são mães, àquelas que nos trouxeram a esse mundo. Abraços

Bem-vindos!

Minha foto
Um conjunto de antíteses e uma mente apaixonada, que pulsam juntos em forma de sonhos. Graduanda em Psicologia e ex-estudante de Jornalismo na UFRGS.

Eles aprovam: